Com apenas cinco votos de diferença entre eleita e segundo colocado, eleição majoritária em Itacarambi teve judicialização inédita

Fachada da Prefeitura de Itacarambi: disputa política acirrada e apelo inédito ao tapetão
As eleições municipais deste ano em Itacarambi foram marcadas por grau inédito de judicialização. Mesmo após as urnas fechadas e o resultado da eleição majoritária conhecido, há uma investigação em curso iniciada pelo Ministério Público Eleitoral de Januária, que realizou operação na quinta-feira da semana passada na cidade, quando cumpriu mandados de busca e apreensão após denúncia de suposta captura ilegal de sufrágios e abuso do poder econômico.
A reeleição apertada da prefeita Nívea Maria de Oliveira (PP), a Doutora Nívea, com irrisórios cinco votos de vantagem em relação ao segundo colocado na disputa, o professor aposentado Paulo Azevedo (DEM), foi contestada pela coligação oposicionista ‘Honestidade e força para reconstruir’ (DEM, MDB, PDT e PSL) desde o registro da candidatura. A disputa teve ainda outros dois candidatos, mas a soma de ambos não alcançou 10% dos votos válidos.
O ex-prefeito e candidato a vice da principal chapa de oposição, Ramon Campos (DEM), diz que não havia escolha para a principal coligação de oposição, a ‘Honestidade e força para reconstruir’, encabeçada por Paulo Azevedo, a não ser apelar à Justiça Eleitoral
"Tivemos que denunciar muitos atos da campanha adversária, depois que eles avançaram nos limites impostos pela legislação eleitoral. Já é difícil enfrentar um candidato em busca da reeleição, com a vantagem da máquina em mãos, mas a luta política fica muito desigual quando o lado oficial quebras as regras do jogo", reclama Ramon.
Ao todo, a coligação do candidato derrotado Paulo Azevedo entrou com sete ações contra a campanha adversária ao lonto da temporada eleitoral. Na mão contrária, foi acionada uma vez por propaganda eleitoral irregular, que teria sido patrocinada por um eleitor sem vínculo com a coligação.
Excertos da decisão liminar em que o juiz Daniel Souto Costa mandou retirar do ar material de campanha vinculado à campanha vitoriosa em Itacarambi
O site teve acesso a duas dessas decisões derivadas de ações de investigação judicial eleitoral (Aije) de autoria da chapa do candidato Paulo Azevedo, aquelas de números 0601280-31.2020.6.13.0148 e 0600743-35.2020.6.13.0148, que transitaram pela 148ª Zona Eleitoral de Januária. Em uma das denúncias, a oposição apontou abuso do poder político, com suposto uso de servidores municipais para produção de propaganda eleitoral e participação em eventos extemporâneos da gestão da prefeita Nívea Maria.
AMADO MESTRE
Um desses eventos, segunda a denúncia, foi a comemoração do Dia dos Professores, em outubro passado, quando a categoria de servidores públicos lotados na Educação teria sido mobilizada para evento em que se ofereceu aos docentes bolos de festa (a Justiça acatou a tese de que a prefeita ofereceu brindes aos servidores). Imagens dessa comemoração teriam circulado depois em redes sociais como peça de propaganda eleitoral em favor da prefeita-candidata.
Outra ação de investigação eleitoral denunciou a cooptação de servidores comissionados e contratados do município para "dedicação exclusiva" à campanha da prefeita e então candidata Nívea Maria. Esses servidores, conforme a denúncia, “eram obrigados a participar de forma ativa da campanha, assim como de atos de promoção de sua pessoa [da prefeita], conforme print extraído do grupo de WhatsApp dos secretários municipais”.
Noutra ação, a campanha da agora prefeita reeleita teria feito “gravação de vídeos em órgãos públicos, nos quais é enaltecida a suposta melhora de infraestrutura e de atendimento em clínica de fisioterapia e em centro odontológico do município de Itacarambi, no curso do mandato”.
A oposição também denunciou a candidata por "comparecer à inauguração de estação de tratamento de água na Vila Florentino, zona rural do município de Itacarambi, segundo fotografias compartilhadas por servidores municipais e apoiadores na rede social Facebook".
PERFIL FALSO
Os vídeos eram distribuídos por por meio da rede social Facebook, o que motivou, inclusive, denúncias do recurso à utilização de perfis falsos, que eram ‘curtidos’ e replicados por cabos eleitorais da vinculados à campanha de reeleição da atual prefeita.
A Justiça Eleitoral precisou arbitrar os conflitos entre os candidatos com a emissão de decisões que exigiam a imediata retirada dos vídeos dos perfis de apoiadores da prefeita. A internet, por sinal, passa a ser uma nova plataforma para as querelas políticas e, como não poderia deixar de ser pelo seu caráter novidadeiro, um campo para muitos exageros (veja um caso na imagem abaixo).

Juiz eleitoral intima o Facebook para que informe dados de cadastro do suposto perfil falso que divulgava propaganda ilegal da candidata oficial
Em decisão do dia 11 de novembro, a apenas quatro dias do pleito, o juiz eleitoral da 148ª Zona Eleitoral em Januária, Daniel Henrique Souto Costa, determinou que uma cabo eleitoral se “abstivesse de promover, por qualquer meio, o perfil do Facebook identificado como ‘Nika Ve Gomes’, assim como o conteúdo nela lançado, sob pena de multa no valor de R$ 1.000 por cada evento caracterizador de descumprimento”.
Na mesma decisão, o magistrado determinou ao escritório do Facebook no Brasil informar à Justiça Eleitoral, no prazo de 24 horas, dados de cadastro do perfil (ou página nessa rede social) em nome de “Nika Ve Gomes”, esclarecendo de onde partiu a criação (IP do computador que o criou, a localização, endereço e o titular do referido IP, se possível), a época da criação, datas e horários dos acessos até o presente momento, além de outras informações cadastrais que possua".
DRIVRE TRHU
No âmbito da Aije 0600743, o juiz Daniel Souto Costa deferiu parcialmente liminar em regime de urgência em atenção ao pedido da coligação de Paulo Azevedo para que quatro diretores de escolas municipais removessem vídeos com publicações irregulares em suas páginas do Facebook, sob pena de multa no valor de R$ 15 mil. O magistrado também determinou que a comprovação do feito fosse incluída nos autos do processo em até dois dias.
Uma dessas medidas liminares favoreceu o vereador e candidato à reeleição José Henrique de Oliveira, o Zé de Horácio (PDT), foi acusado de impedir judicialmente a realização do evento “1º Drive Thru” de Itacarambi, cancelado por decisão do Ministério Público Eleitoral que acatou denúncia em que se informava a distribuição de brindes para alunos, pais e professores. Zé de Horácio, que não conseguiu se eleger, foi acusado de frustar a realização do evento o que foi considerado como fake news, já que não era o autor da denúncia.
FESTA DA VITÓRIA
A roda girou e agora que a campanha ficou para trás, quando já se sabe quem ganhou e quem perdeu, o MP Eleitoral deverá se manifestar nas próximas horas sobre a denúncia de eventuais crimes no caso da suspeita de distribuição de cestas básicas da merenda escolar como moeda de troca para compra de votos.
Quando se soma as brigas judiciais no decorrer da campanha com a margem apertada de votos da prefeita eleita em Itacarambi, há, para um observador distante da cena, motivos para presumir suspeição na lisura do pleito. A coligação vencedora, por óbvio, classifica o esperneio da oposição como choro de perdedor.
Mesmo com notícias do agravamento da pandemia do coronavírus, a prefeita reeleita Nívea Oliveira patrocinou no sábado (21), uma semana após o pleito, o evento 'caminhada da vitória'. Algumas centenas de pessoas desfilaram pelas ruas do centro da cidade para comemorar a conquista do novo mandato.
Na leitura subliminar, a festança serviu para manter a base unida e de recado para quem contesta o resultado da eleição. A comeração faz parte da estratégia de manter a confiança dos eleitores quanto a validade da vitória nas urnas, mesmo com a eventualidade da Justiça acatar a denúncia do MP e dar início ao processo que pode anular o resultados da eleição em Itacarambi.
Um ponto de corte na briga eleitoral em Itacarambi é a diplomação dos eleitos, que tem como prazo-limite o dia 18 de dezembro. Se for diplomada, a prefeita eleita avança algumas casas na direção de tocar o mandato, mesmo com o barulho circunstancial das vitórias e derrotadas na tramitação do processo que contesta a integridade da sua eleição.